quarta-feira, 22 de julho de 2015

A distância que aproxima

{Minha amiga Tarcila e eu no aeroporto antes do meu embarque para Lisboa, em 2009}

A distância da nossa terra natal nos aproxima dela mais do que qualquer outra coisa. Quando estamos isolados dos nossos semelhantes é que finalmente paramos de acreditar que tudo que somos são traços pessoais para atentar naquilo que nos torna uma comunidade. Esses laços não ficam claros quando todos apresentam as mesmas características, mas a lonjura de casa mostra bem aquilo que é pessoal, o que é familiar, o que é regional e o que é nacional. Se no exterior podemos abandonar aquilo de cultural que não nos serve pessoalmente, é também no exílio (mesmo aquele desejado) que sentimos mais falta daquilo que pouco damos valor no dia-a-dia. 

Pode acreditar, um samba escutado numa esquina longe do Brasil tem um poder arrebatador sobre o imigrante. O mesmo para uma roda de capoeira, mesmo que o saudoso expectador não saiba sequer como segurar um berimbau.

Para o André, a primeira materialização da falta é o mate. Aquele torrado, tomado gelado, bem diferente da forma como é consumido no sul e centro-oeste do país. André gosta do mate carioca, gênero daquele servido na praia, mesmo que eu tenha quase certeza que ele não pisa na areia há uns bons 10 anos. Viemos precavidos e trouxemos saquinhos de mate para preparar aqui na Alemanha. Ao saber de um convite para um churrasco no final de semana, quis levar para os anfitriões algo genuinamente brasileiro e sugeri comprar umas garrafas de vidro e fazer um pouco de mate. André me olhou com um olhar comprido vendo a caixa ainda lacrada de Matte Leão e falou “mas tem tão pouquinho”. Entendi o recado e fui fazer brigadeiro. Detalhe: foi a primeira vez na vida que fiz brigadeiro. Pelo simples motivo de que no Brasil fazer por mim mesma nunca se mostrou necessário.

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Lembro de quando tive que lidar com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, uma das tantas burocracias pelas quais tive que passar quando fiz intercâmbio em Lisboa. Imperava certo pouco caso, como é ligeiramente comum em qualquer lugar que vive exclusivamente da burocracia, especialmente daquela ligada a imigrantes. Minha felicidade foi enorme quando, entre um mar de funcionários lusitanos, identifiquei um sotaque baiano. Depois, ouvi uma superiora chamar seu nome – era Pedro. Era evidente o quanto ele era mais gentil com os requerentes de residência, não apenas pela famosa e polêmica cordialidade brasileira, mas pelo simples fato de que ele também sabia o que era ser estrangeiro. 

Nunca sequer dirigi a palavra ao Pedro. Depois de horas na fila, comentei com a minha mãe sobre a gentileza daquele atendente que observei falando com um imigrante paquistanês e fui comprar alguma coisa para comer. Quando voltei, minha mãe já havia rodado a baiana (com perdão do trocadilho), chamado o Pedro, falado com a supervisora e estava sendo atendida finalmente. É triste, mas o imigrante, que com freqüência está numa posição delicada, acaba por aceitar o tratamento que for por medo que a sua presença como forasteiro seja contestada na sua primeira reclamação sobre o tratamento que recebe.  Naturalmente, isso se aplica consideravelmente menos a estrangeiros com mais dinheiro e/ou escolaridade.

Ser estrangeiro tem uma dualidade bastante estranha, mesmo para aqueles que, como eu, orgulham-se de ser cidadãos do mundo. Quanto mais se viaja e se faz valer essa cidadania global, mais a consciência do quanto somos moldados por nossa cultura vem à tona. Eu descobri que era brasileira quando vivi fora (por mais que visse também em mim diversos aspectos portugueses, que se tornaram ainda mais fortes quando voltei para o Brasil). Assim como já disse que foi quando voltei ao Rio de Janeiro que descobri o quanto aquela cidade é bonita. Da mesma forma, estar em outros lugares costuma me mostrar o quanto sou latina e ibérica. Aqui, por exemplo, aquele “bom dia” no corredor ou no elevador é absolutamente facultativo. Se for parar para pensar, é uma bobagem, algo feito pro forma que não demonstra em nada uma maior educação por um completo desconhecido. Mas que essa supressão de gentileza me fere, ah, me fere.

No momento, na maior parte do tempo estamos curtindo a diferença e as facilidades da Alemanha. As diferenças e facilidades que, quando voltarmos ao Brasil, vão deixar uma saudade danada. Ainda não deu tempo de sentir aqui essa saudade toda do Brasil, mas por experiência própria sei que uma hora ela chega.

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