domingo, 16 de agosto de 2015

Sobre nossas cabeças

{Sala de mapas no Churchill War Rooms, em Londres}

De quarta para quinta ocorreu a chuva de meteoros Perseidas com uma visibilidade fora do normal, em especial aqui na Europa central. Sempre que ouço falar de eventos astronômicos que podem ser vistos a olho nu, me animo. Mas a verdade é que, com a localização do Rio de Janeiro e com as luzes da cidade grande, quase nunca dá para ver nada. Dessa vez foi um pouco diferente.

A principal diferença foi a capacidade de ver com clareza um número grande de estrelas cadentes. O que não foi nada diferente são os papos que surgem quando a gente começa a fitar o céu por muito tempo. Na minha opinião, nada abre mais o coração de alguém do que conversar baixinho na penumbra.

André não tem muita paciência para observar o firmamento. Percebendo que pouco a pouco ele ia ficando mais entediado, comecei a divagar sobre porque gosto tanto de olhar o céu à noite. E quando a gente fala em voz alta sobre alguns sentimentos, descobre coisas bastante interessantes sobre nós mesmos. 

Eu nunca gostei de fazer viagens ligadas a exploração da natureza. Para ser muito franca, cachoeira pra mim é tudo igual e não vejo motivo para andar no meio do mato para ver uma bela paisagem depois de um trajeto extenuante. Ainda mais se o lugar já tiver sido anteriormente fotografado (aqui vale ressaltar duas exceções: iria de bom grado sobrevoar o Monte Roraima - sobrevoar, jamais escalar - e também gostaria de ver o arco-íris da meia-noite nas Cataratas Vitória). O que sempre me atraiu foram os traços de presença humana, a marca que o ser humano é capaz de deixar no mundo e o quanto essa necessidade de firmar pegadas ecoa em nós ainda hoje. Só que, mais preguiçosos, hoje usamos as redes sociais. Ou escrevemos um blog. Logo, levando tudo isso em consideração, não faz muito sentido que admirar o céu me atraia tanto. Porém, apenas não é assim tão óbvio.

O que me atrai em ver as estrelas é pensar que isso me liga ao mais primitivo ser humano. Ou talvez antes, ao primeiro símio que conseguiu fugir da simples realização das suas necessidades vitais. O céu acima da minha cabeça é o mesmo que foi observado pelos babilônios, egípcios, fenícios, gregos e troianos, astecas e desbravadores que se lançaram ao mar sem a menor certeza de voltar para casa. Desbravadores esses que não sabiam sequer para onde iam, o que, para mim, os torna mais corajosos do que um astronauta que vai à lua. Céu que no hemisfério norte eu não reconheço, porque não encontro o cruzeiro do sul. Céu que dá as coordenadas àquele que sabe traçar linhas juntando os seus pontos.

Isso tudo veio de repente à tona porque, para demover o André da vontade de dormir, perguntei o que mais o fascinava. Ele respondeu "o engenho humano". Pedi que desenvolvesse a idéia.

- Eu gosto de relógios e de termômetros.
- Então você gosta de aparelhos de medição?
- É bem por aí.

Eu não, eu sou fascinada por mapas e astrolábios. Eu gosto de instrumentos que auxiliem a localização. 

Pensando bem, as duas formas, são maneiras de existir. Passamos a vida nos medindo e procurando nosso lugar no mundo. E assim viveremos até que o maior medo dos gauleses da aldeia de Astérix se concretize e o céu caia sobre nossas cabeças.

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