quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Poemas Avulsos

{Estátua de Fernando Pessoa em frente ao bar "A Brasileira" em Lisboa}

Já contei aqui que meu pai, embora não tenha sido um grande leitor na juventude, cresceu num ambiente em que saraus literários eram constantes. Pois bem, na última segunda-feira foi aniversário dele e fomos os quatro (isso é, com minha mãe e André) jantar num restaurante que ele escolheu. Já lá para o final do jantar, entraram no restaurante três homens falando meio alto. Sentaram-se à mesa logo atrás da nossa e continuaram com ar meio intelectual conversando. A conversa do nosso grupo era boa e nem dei muita bola para eles. Ouvi suas vozes e vi que um deles parecia querer especialmente atenção e falava algo com tom solene. Meu pai, que não é das pessoas mais atentas do mundo e é bastante discreto, num dado momento se virou completamente para a mesa deles e deu uma boa olhada. Quando virou o corpo de novo para a nossa mesa, comunicou:

- Ele acha que está recitando “A Árvore da Serra” de Augusto dos Anjos, mas está declamando tudo errado.

Confesso que nunca tinha ouvido falar desse poema. Pesquisando depois na internet, achei o dito cujo:

A ÁRVORE DA SERRA

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma...

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!




O que importa é que o equívoco alheio foi motivo suficiente para puxar um papo sobre poesia. Aproximei mais minha cadeira do meu pai e ficamos lembrando de poemas dos quais gostamos. Já que o mote era Augusto dos Anjos, comentei que desse autor o meu favorito é “Vandalismo” e recitei os versos finais, os únicos que sabia de cor. Mas meu pai não! Meu pai lembrava ele todo e prontamente começou a declamá-lo.

VANDALISMO

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!



A partir daí, fomos caminhando por diferentes veredas, conversando sobre os diferentes heterônimos de Fernando Pessoa e declamei “Mar Português”, infelizmente o único de Pessoa que lembrei de cor na ocasião.

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena. 
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.




Há algum tempo me pego pensando como gosto literário também é uma questão de fase na vida. Faz anos que tendi mais para a prosa do que para a poesia, mas não foi assim na minha infância e começo da adolescência. Com isso, só nos últimos anos estou conhecendo Manoel de Barros, por exemplo. Mas, falando de adolescência, há um poema que sempre vai estar marcado nessa fase da minha vida. Ao contrário da maior parte dos casais, André e eu não temos uma música que marque definitivamente nosso relacionamento. Porém, pouco depois de começarmos a namorar, não lembro bem como, o André me deu um poema. E, desde então, ele pode até ter sido escrito por Álvares de Azevedo, mas, ao menos na minha cabeça, ele é só meu.

SONETO

Pálida à luz da lâmpada sombria, 
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada, 
Entre as nuvens do amor ela dormia! 

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada! 
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia! 

Era a mais bela! Seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo! 
Por ti - as noites eu velei chorando, 
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!



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