terça-feira, 4 de março de 2014

Gostinho de férias

{Funcionário de um restaurante aproveita a ausência de clientes na praia de Baucau, em Timor-Leste}

No momento em que este texto for publicado estarei na Colômbia, em merecidas férias.
É a primeira viagem em muito tempo em que não levo alguma pendência para resolver no caminho e na qual não há um propósito acadêmico ou profissional envolvido. Viajar de qualquer jeito é bom, mas a sensação de “porque eu quis” melhora tudo. Lógico que as preocupações se intrometem de alguma forma na bagagem, mas a gente vai se esquivando a cada novidade que enche a cabeça. 

Tudo isso me lembra o poema Adiamento de Fernando Pessoa, atribuído ao heterônimo Álvaro de Campos (o áudio pode ser ouvido abaixo):

“Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro... 


Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã... 


O porvir...
Sim, o porvir...”


Há muita coisa para ser resolvida no regresso, mas isso fica pra depois. Agora, só sombra e água fresca.

Deixe suas impressões
(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. Divirta-se! Um passarinho me contou que você trabalhou muito. Aproveita o bem vindo descanso!

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  2. Que bom ter curtido tanto suas ferias junto de André. O casal merece.
    Beijos . Thelma.


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