terça-feira, 1 de abril de 2014

Antes, durante ou depois?


{Homenagem a Gabriel García Márquez em uma fachada de Bogotá, Colômbia}

Acredito piamente que uma das melhores formas de conhecer um lugar é através da literatura de ficção. Se for de um autor autóctone, melhor ainda.

É através da liberdade de estilo e enredo apresentada ao escritor pelo romance, que o universo de relações e condicionamentos culturais que regem uma dada sociedade podem ser observados de forma mais detalhada. Embora essa sensação tenha me acompanhado desde que me entendo por gente, a primeira vez que a vi organizada de forma elaborada foi em Falando da Sociedade, de Howard S. Becker. O livro mostra através de ensaios como imagens de grupos sociais contidas em obras de ficção podem ser úteis na análise social, por apresentarem situações que muitas vezes o trabalho científico teria maior dificuldade de alcançar. Conheci o livro durante o desenvolvimento da minha monografia sobre as representações de classe sociais na obra de George Orwell e nunca mais deixei de salpicar seu argumento central em trabalhos acadêmicos. Virou minha justificativa pronta para tascar literatura em tudo que faço.

Romances vão ajudando não só a conhecer os comportamentos de um lugar. Com suas descrições, vão ajudando também a conhecer a arquitetura, formas de locomoção, ecossistemas e por aí vai. A primeira vez que senti que um livro me contava algo sobre um lugar foi em Sangue Fresco, de João Carlos Marinho. O livro infanto-juvenil é o segundo de uma série deliciosa em que um grupo de jovens de 11 anos se mete em um monte de aventuras. Dessa vez, a epopéia se passa na Amazônia e envolve o desafio de fugir de um grupo de criminosos, tendo que sobreviver no caminho aos desafios da floresta. Agora, pesquisando na internet, acabo de ler que o autor realmente pesquisou informações com pessoas habituadas à selva amazônica antes de escrever a história. Não me surpreende: é exatamente a sensação que se tem enquanto se lê o livro. A descrição das plantas, dos animais e dos segredos para não sucumbir nesse imenso labirinto verde é mesclada com partes fantasiosas, sem que o leitor perca em nenhum momento a impressão de que está em uma floresta de verdade. Li o livro pela primeira vez justamente aos 11 anos, pouco antes de ir a Manaus. Quando voltei, li de novo. E assim ficou marcada na minha memória a primeira vez em que um livro me preparou para um destino que encontraria em uma viagem.

Antes de ir para lá, Timor-Leste era uma incógnita para mim, como imagino que seja para a maior parte das pessoas. Em meio a todo o estudo sobre a história do país, fui buscar o que havia de romances para me situar. Encontrei os livros de Luís Cardoso e me encantei. Antes de ir, li o romance autobiográfico Crônicas de uma Travessia e o belíssimo Réquiem para o Navegador Solitário. Neles, comecei a imaginar a silhueta da ilha de Ataúro defronte à capital Díli, as cascatas de buganvílias nos lugares mais improváveis e a difícil posição das mulheres na sociedade timorense. Em Timor, basicamente comprei o estoque de literatura timorense da pequena livraria próxima ao hotel. Logo me atraquei a O Ano em que Pigafetta Completou a Circum-navegação, do mesmo autor, que conta o desenrolar de algumas histórias apresentadas em Réquiem para o Navegador Solitário. Voltei para casa ainda no meio da leitura, o que me levava de volta a Timor apesar dos 17 mil quilômetros de distância.

Ainda não cheguei a uma conclusão sobre o que é melhor. Conhecer uma cidade por antecedência nos livros faz com que cada aspecto reconhecido na visita seja uma alegria, mas reler uma cidade depois de conhecê-la permite enxergar a história do livro com mais clareza. Em Cartagena das Índias, na Colômbia, comprei O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez, e comecei a ler um pouco antes de deixar a cidade. Mesmo estando aqui no Rio, me perco nas ruelas com casas coloridas e posso ouvir o som dos cascos de cavalos batendo nos paralelepípedos, puxando as carroças do passado que hoje só levam os turistas mais românticos ou mais preguiçosos. Além do contato com um texto genial, a leitura está sendo uma prolongação das férias.

E você, quando prefere: antes, durante ou depois?

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(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. é melhor ler antes! assim você pode deixar a imaginação correr mais solta s ad amarras do real!

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  2. Não sei. Mas quando li Cardoso Pires tive uma sensação de descoberta e de reencontro com Lisboa. Sei lá...

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