sexta-feira, 4 de abril de 2014

Bagagens: França

{Meu pai e eu no Champs-Elysées, Paris, em 1994}

Aos cinco anos de idade, saí do Brasil pela primeira vez para passar um mês com meus pais na França. Lá, passamos um tempo na casa da minha irmã “mais nova” (filha do primeiro casamento do meu pai, ela tinha cerca de 30 anos quando eu nasci, mas é a mais jovem entre meus três irmãos), que tem filhos mais ou menos da minha idade. Seus dois filhos, nascidos e criados na Provence, naturalmente falam francês e o mais velho, na época com três anos, conversava todo o tempo nesse idioma com o avô, ou seja, meu pai. A noção de que uma pessoa que eu conhecia falando português se comunicava em outro idioma que eu não era capaz de compreender foi num primeiro momento desnorteadora. Para resolver o dilema e me deixar menos deslocada, meu pai inventou a “língua das cobradas”, que consistia em uma sucessão de fonemas sem nenhuma lógica, ordem ou sentido. Olhávamos um para o outro e começávamos a emitir essa sequência de sons, o que me fazia sentir que eu também era capaz de me comunicar em um idioma diferente.

Ainda no final dessa viagem, encontramos com a minha irmã, o marido e os filhos em Paris. Nesse momento, mesmo que não entendêssemos o que o outro falava, meu sobrinho de três anos e eu já conseguíamos interagir melhor. Uma das nossas atividades preferidas era correr nas praças espantando aglomerações de pombos. Nos jogávamos na direção dos pássaros imitando o som de latidos. Meu sobrinho, talvez por estar em um lugar que era mais familiar para ele do que para mim, se lançava na aventura com mais convicção que eu. Naturalmente, tinha mais sucesso em espantar os pombos. Na minha cabeça de criança, porém, logo encontrei uma explicação alternativa. Para mim, as aves não fugiam do ataque físico, mas sim dos latidos, porque tinham medo de cachorros. Sendo assim, era compreensível que fugissem mais do meu sobrinho do que de mim: ele latia em francês, enquanto eu só sabia latir em português. Os pombos parisienses simplesmente não me entendiam.

Deixe suas impressões
(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. Me comovi com sua crônica. Lembrei de você pequenina, sempre inteligente, e bonita, por óbvio. E do amor, carinho e cuidado que sua mãe e seu pai sempre tiveram com você. E amei a foto sua com seu pai! Grande beijo!

    ResponderExcluir
  2. Gabriela, adorei o texto, mas gostei ainda mais da foto. Muito fofa !

    ResponderExcluir
  3. Me senti expectadora na praça dos pombos.
    Adorei o javali!
    Beijos Thelma.

    ResponderExcluir
  4. Adorei as lembranças. Me lembrei de vc sentada no chão de terra do quintal toda lindinha de vestido engomado e com aqueles "zolhão" já vendo tudo e "registrando"…O tempo passa, você e o Thomas agora podem escolher entre falar português ou francês, mas os pombos, com certeza, continuam sendo perseguidos por outros "cãozinhos".

    ResponderExcluir
  5. SEM COMENTÁRIOS.
    AUAU PARA VOCÊ TAMBÉM !
    TE ALCANCEI NAQUELA PRAÇA !!!

    ResponderExcluir
  6. A quem interessar, traduzi este texto para o francês e ele foi gentilmente revisado pela minha professora, Sandra. Compartilho com vocês:

    Quand j’avais cinq ans, je suis sortie du Brésil pour la première fois pour profiter d’un mois de vacances avec mes parents en France. Là-bas, nous sommes restés quelques temps chez ma “petite” soeur (en fait, c’est la fille du premier mariage de mon père et elle avait environ 30 ans quand je suis née, mais elle est la plus jeune de mes trois frères et soeurs). Elle a des enfants qui ont le même âge que moi. Ses deux fils sont nés et ont grandi en Provence, naturellement ils parlent français et le plus âgé, qui avait trois ans à cette époque, parlait tout le temps dans cette langue avec son grandpère, c’est à dire mon père. L’idée que cette personne que je connaissais dans la langue portugaise puisse parler une autre langue que je ne comprenais pas était, dans un premier moment, déconcertant. Pour résoudre le problème, mon père a inventé la “langue de cobradas”, qui était un séquence de phonèmes sans aucune logique. Nous nous regardions et parlions cette “langue” et ça m’aidait à sentir que j’étais aussi capable de comuniquer dans une langue différente.

    À la fin de ce voyage, nous avons rencontré ma soeur, son mari et ses enfants à Paris. À ce moment là, même si nous ne comprenions pas ce que l’autre disait, mon neveu qui avait trois ans et moi étions capables de mieux intéragir. Une de nos activités preférées était de courir sur les places pour intimider les pigeons en imitant l’aboiement des chiens. Mon neveu, peut-être parce qu’il était dans un lieu familier pour lui, courrait avec plus de conviction que moi. Naturellement, il avait plus de succès que moi. Très vite j’ai trouvé une explication alternative dans ma tête de cinq ans. Pour moi, les oiseaux ne fuyaient pas l’attaque physique, mais les aboiements, parce qu’ils avaient peur des chiens. C’était pour ça qu’ils fuyaient plus mon neveu que moi: il aboyait en français et je savais seulement aboyer en portugais. Les pigeons parisiens ne pouvaient pas me comprendre.

    ResponderExcluir