terça-feira, 8 de abril de 2014

Micos

{Cachorro passando ridículo no Halloween de 2011, em New Jersey, EUA}

Viajar é um momento incrível, cheio de novidades e relaxamento. No entanto, a exposição a um novo ambiente, acompanhada pela diminuição da atenção que vem com a sensação de ócio, é um prato cheio para pagar mico.

Sim, é verdade, experiência própria. Pior ainda é aquele momento em que você começa a tomar confiança de que já conhece como as coisas funcionam em um determinado lugar. Dizem que é como começar a dirigir: os acidentes acontecem quando a pessoa se convence que é boa no volante. Sem mais delongas, compartilho com vocês quatro micos antológicos que, se mesmo sendo meus, me fazem rir bastante. Continuo me confortando com a idéia (ilusão?) de que só não paga mico quem não se arrisca.

Buenos Aires, Argentina (2008)

Sendo minha oitava visita à cidade, era natural que eu já me sentisse uma habituée. Éramos quatro pessoas e aproveitei a entrada do grupo no táxi para esbanjar todo meu conhecimento de Buenos Aires. Com meu melhor sotaque porteño, carregando bastante no som de “ch” que se usa na pronúncia de duas letras L, pedi que o motorista nos deixasse na esquina de duas ruas específicas. O motorista olhou para o banco de trás com certa cara de estupefação e não tive tempo de pensar antes da sua reação:
- Impossível, senhora. Essas duas ruas são paralelas.

Orsan, França (2008)

Como já contei aqui, tenho uma irmã que mora na Provence. Numa viagem entre a Suíça e a França, ela convidou a mim e ao André (o namorado de então e hoje marido) para passar pela sua casa. Combinamos de ficar dois dias. Na chegada, ela e a família nos receberam com um jantar delicioso no jardim, cheio de costeletas de cordeiro. Não lembro bem o motivo, mas fui entrar na casa para apanhar alguma coisa no quarto quando me deparei com um bicho enorme na parede de pedra. Era um besouro metalizado do tamanho de uma ratazana, daqueles com chifre e tudo que você só vê no desenho O Rei Leão. Fiquei paralisada por alguns estantes e voltei para o jardim sem a tal coisa que tinha ido buscar. Avisei que havia um inseto gigantesco na parede, o que foi respondido com o riso da minha irmã.

- Não acredito que você caiu nessa, Gabriela! Como você acha que um besouro daquele tamanho ia aparecer no sul da França?

Obviamente, era um besouro de latão. Como pode ser lembrado nesse texto sobre Bariloche, não tenho muita sorte com bichos de mentira.

Ilha de Gozo, Malta (2010)

Malta é o menor país da União Européia, um arquipélago incrível no meio do Mar Mediterrâneo. Por sua posição estratégica, foi invadida por todos os povos imagináveis, o que faz do maltês um idioma que mistura as mais diversas influências ligüísticas. Para sorte do turista, foi um protetorado britânico até pouco depois da Segunda Guerra Mundial, o que faz do inglês a segunda língua oficial até hoje. A segunda maior ilha do país (depois de Malta, que é o nome do arquipélago e da ilha maior) se chama Gozo, mas o mico não tem nada a ver com as possíveis piadas que podem surgir desse nome. Depois de um dia bastante corrido, encontramos um restaurante na ilhota, onde fizemos um almoço tardio ou um jantar adiantado. Cansada, quis pedir ao garçom uma faca (knife, em inglês), mas acabei pedindo uma scissor (tesoura). Pela cara de espanto do rapaz, percebi o engano e consertei o pedido. De toda forma, para tripudiar, ele trouxe a conta no final da refeição em uma bandejinha com uma tesoura em cima.

Sydney, Austrália (2013)

Confesso que, ao contrário da maior parte das pessoas, tenho certo prazer em fazer as refeições sozinha e para mim nunca foi impeditivo para comer no restaurante que fosse o fato de eu não ter companhia. Aproveitei que estava hospedada em uma área conhecidamente boêmia de Sydney para escolher com calma um lugar aconchegante e com cara de ter boa comida. Escolhi por fim um restaurante tailandês, muito bonito e com uma decoração bastante romântica. Sentei na minha mesa para uma pessoa e elegi um prato que, segundo o cardápio, não era dos mais nem dos menos picantes. Depois de comer em alguns restaurantes tailandeses em Timor-Leste, imaginei que já estava preparada para o que viesse.

Aqui cabe um parêntese. A comida tailandesa apreciada pelas pessoas no Ocidente sofre uma grande adaptação ao gosto local, o que costuma significar menos açúcar e beeem menos pimenta. Na Ásia e na Oceania, onde os restaurantes asiáticos costumam ser verdadeiramente comandados por asiáticos, as adaptações, quando existem, são bem mais sutis. Depois da primeira garfada, senti que a comida era realmente deliciosa, mas seria muito melhor se eu não tivesse parado de sentir a minha língua. Continuei bravamente, levada pelo tempero gostoso e pela honra. Aí, tive uma revelação: ao contrário da impressão criada pelos filmes, não comecei a lacrimejar. Eu simplesmente parei de controlar o meu nariz, que passou a escorrer torrencialmente. Tentando ser discreta, acabei com todos os lenços de papel que tinha na bolsa. A garçonete tailandesa percebeu meu sofrimento e sorrindo num misto de pena e sarcasmo perguntou se eu estava bem. Respondi que claro que sim, como só as pessoas realmente ferradas são capazes de responder. Ela trouxe um prato de pepino, que segundo ela era usado na Tailândia para cortar o ardor, mas não funcionou para absolutamente nada, só adicionou mais um aspecto ridículo a cena, porque me agarrei às rodelas do vegetal como a um bote salva-vidas. Com muito esforço, cheguei à metade do prato e pedi a conta. Voltei para o hotel rindo sozinha pela rua, sem sentir a língua... nem as bochechas.


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(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. hahahahaha! muito bom, rir é o melhor remédio, viva os micos! e o besourão continua lá…

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  2. Sensacional! A do bicho de latão foi bem engraçado!

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  3. "DAS SELEÇÕES READERS DIGEST " RIR É O MELHOR REMÉDIO ! ! !

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  4. Sim e até a barriga doer de tanto rir, imaginando a cena !

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  5. Hahaha! <3 Minha história preferida é a do besouro de latão

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