terça-feira, 15 de abril de 2014

"Chorei até ficar com dó de mim"

{Bandeira do prédio da ONU em Bagdá, hoje exposta na sede da organização em NY}

Sempre me surpreendo quando alguém me diz que se emocionou com algo que escrevi. A capacidade de mexer tão profundamente com alguém me causa espanto e fascinação desde que me entendo por gente.

Talvez por ser uma pessoa difícil de chorar, sempre me marcou muito tudo que é capaz de me levar às lágrimas. Talvez também por ser o tipo de pessoa que prefere chorar sozinha, o momento de introspecção da leitura se mostrou um dos mais propícios para me derrubar.

Pensando em tudo isso, venho me lembrando de alguns livros que arrasaram comigo. Não, não estou falando de olho marejado. Estou falando de chorar aos soluços, de dormir com a fronha molhada, de quicar com os espasmos do diafragma. Ou, como diz a música de Chico Buarque imortalizada por Cauby Peixoto, aqueles livros que te fazem chorar até ficar com dó de si mesmo. Quatro exemplos me vêm à mente nitidamente. Vamos a eles.

O Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon

Como fui alfabetizada em um colégio cujo nome fazia referência ao livro, queria saber qual era a história. Por se tratar de um livro relativamente grande para uma criança, pedi para minha babá ler para mim. Ela fez uma leve careta, que eu só entenderia no decorrer da leitura. No meio do livro, ela parou de repente. E começou a chorar copiosamente.

- Leia você. Eu já li antes, é muito triste.
- Mas eu não sei ler direito ainda... (respondi já chorando também).

Resumindo, ela terminou de ler o livro com nós duas chorando sem parar e continuamos aos soluços ainda durante um bom tempo depois da última frase impactante.

O Avô de Margareth, de Vera Dias

A autora do livro é amiga da minha irmã (de quem vocês já ouviram falar aqui e aqui). Há uns 15 anos, numa de suas visitas ao Brasil, acho que ela contou à Vera que eu gostava de ler. Em algum momento apareceu lá em casa uma caixa cheia com os livros infantis assinados por ela. Fui devorando um por noite até chegar em O Avô de Margareth. No final do primeiro terço do livro dava para imaginar o que aconteceria com os personagens. Comecei a chorar e a angústia foi piorando até a última página.

Dias depois, a Vera Dias ofereceu um almoço no apartamento dela e minha mãe contou o quanto eu tinha me emocionado com um de seus livros. Ao saber qual deles tinha me feito chorar, Vera esboçou um sorriso. Contou que uma vez, numa palestra em uma escola que havia recomendado o livro aos alunos, uma menina se levantou aos prantos e perguntou por que ela havia dado o fim que deu ao livro. Pelo menos não fui só eu que me debulhei em lágrimas.

Reparação, de Ian McEwan

Por sorte, apesar de todo o frenesi causado pelo filme Desejo e Reparação, li o livro em que ele foi baseado antes de assistir ao filme. A adaptação para o cinema não é ruim, muito pelo contrário, mas o livro é bom demais para não ser lido com o suspense de não saber o final da história. A primeira metade se passa no espaço de tempo de uma tarde e uma noite e eu desafio você a parar no meio da leitura. Depois de uma noite em claro lendo a primeira parte, encontrei um amigo e comentei sobre o livro que estava lendo. Ele já havia lido o romance e perguntou em que ponto da história eu estava. Respondi e ele disse: “ah, você está no começo!”. Protestei: não, eu já tinha passado por metade das páginas. Sabiamente ele não falou mais nada e deixou que eu quebrasse a cara sozinha.

O livro é extremamente bem escrito e patologicamente angustiante. Lá para o final, um suspiro de alívio alcança o leitor. Até você chegar às últimas páginas. Nelas você descobre que tudo que estava suposto não era verdade. Foi um esforço hercúleo passar as cinco páginas finais em decorrência das lágrimas que rolavam sem freios pelas bochechas. Terminei, larguei o livro no chão e, ainda sentada na cama, me contorcia aos soluços. Isso tudo num esforço sem tamanho para pelo menos chorar em silêncio e não acordar meu marido que dormia ao lado.

Se você quiser ler um livro fantástico, aposte nesse. Mesmo que já tenha visto o filme. Depois, se faça o favor de ir percorrendo as outras obras do autor, igualmente brilhantes.

O Homem que Queria Salvar o Mundo, de Samantha Power

Esse livro é o que poderíamos chamar de uma tragédia anunciada. Trata-se da biografia de Sérgio Vieira de Mello, alto funcionário da ONU, morto em um atentado a bomba em Bagdá em 2003. Esta é a primeira tragédia. A segunda é que, por se tratar da história de um dos meus maiores ídolos, a chance de que o livro mexesse comigo era enorme. Passei pelo tomo diversas vezes na livraria, mas nunca o levava até o caixa. Sabia que não passaria por ele ilesa. Até que o ganhei de aniversário.

Eu já conhecia a trajetória de Vieira de Mello por documentários, reportagens, boca-a-boca e afins. Sabia que sua morte havia sido terrível e tinha alguma idéia de sua carreira antes de ser enviado a Bagdá. Fui lendo o livro com bastante rapidez no princípio, mas assim que sentia que me aproximava de sua ida para o Iraque, fui abandonando a leitura aos poucos. Tinha o sentimento de que, se evitasse a ida, evitava a sua morte. Fui a Timor-Leste e lá era recorrente ouvir falar dele, sempre acompanhado de um elogio ou um sorriso. Vieira de Mello fora Representante Especial do Secretário Geral da ONU na ilha entre 1999 e 2002. Quando voltei para o Brasil, era inevitável retomar o livro. Antes, me preparei emocionalmente. Estava determinada a não desmontar ao ler seu final tenebroso embaixo de escombros.

Passei por todos os acontecimentos de 19 de agosto de 2003 em Bagdá sem grandes sobressaltos. Estava certa de que conseguiria chegar ao final com dignidade e estava avançando em meu objetivo bravamente. Passada a leitura do dia da tragédia, relaxei. O final do capítulo 21, antes do capítulo do post-mortem, já estava quase terminado, mas a autora resolveu arrematá-lo com o modo como a notícia da morte chegou a Timor-Leste. Isso me derrubou. Além de ser impressionantemente bem escrito, o relato trouxe à tona diversas lembranças sobre a história do país que eu havia visitado e vinha estudando com afinco. Desmoronei. E dessa vez foi tão forte, que achei melhor levantar da cama e ir chorar no sofá. Dessa vez seria impossível não acordar meu marido.


Sei que o relato sobre o quanto esses livros foram avassaladores para mim pode ser desanimador. Mas não se deixe enganar: cada um deles valeu as lágrimas que arrancou.

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