terça-feira, 29 de abril de 2014

Insularidade

{Mais famosa plataforma de moais, conhecida como Tongariki, na Ilha de Páscoa}

Há uma frase antiga, da época do Império marítimo Britânico, que diz algo mais ou menos assim: “todo país que tem litoral faz fronteira com a Inglaterra”.

Acho a frase bastante interessante. Em mundo conectado pela aviação e pela internet, a troca de produtos e informação por via marítima parece algo extremamente longínquo, mas foi a única realidade (e um baita avanço) durante séculos. Mas por que toda essa lengalenga para começar o texto? Por causa da bem-dita insularidade, definida pelo Houaiss como “aquilo que caracteriza ou define uma ilha; falta de comunicação por terra com outros lugares”.

A insularidade (sobre a qual já falei rapidamente aqui) traz, ao menos, dois aspectos culturais que acho fascinantes. O primeiro deles é o isolamento, que permite a uma cultura se desenvolver de forma quase independente dos países mais próximos. O segundo aspecto vai quase de encontro ao primeiro. Por se tratarem de pedaços de terra no meio de um monte de água, costumam ser entrepostos importantes para quem cruza um mar ou um oceano. Assim, por serem áreas estratégicas para o domínio de mares e para o reabastecimento de navios, as ilhas são áreas invadidas com frequência ao longo da História. O que significa no final das contas que recebem influência cultural de vários países, que acaba fervilhando nesse caldeirão isolado e dando caldos diferentes de todos os seus vizinhos continentais. Em suma, faz tempo que tenho fixação por ilhas. E foi nessa onda (trocadilho infame), que fui parar em lugares pouco visitados como Malta, a Ilha de Páscoa e Timor-Leste.

Malta (que já mencionei aqui), por exemplo, é uma ilha no meio do Mar Mediterrâneo que, por ser uma área de interesse estratégico para o controle do comércio marítimo entre Europa, África e o Oriente Médio, foi invadida a torto e a direito por séculos. Com isso, sofreu influência fenícia, árabe, italiana e, por fim, inglesa. Foi, inclusive, protetorado britânico até o final da II Guerra Mundial e, por ser território Aliado, um dos locais mais bombardeados durante o conflito. Antes disso tudo, foi o local em que sua primeira população na pré-História construiu o único monumento subterrâneo desse período conhecido até hoje.

A Ilha de Páscoa é a terra daquelas cabeças enormes de pedra, chamadas na língua local de moais. Mesmo fazendo parte do Chile, hoje já se considera consenso de que foram primeiro habitadas por populações vindas da Polinésia. Na verdade, isso fica bastante claro quando se observa as feições da população local, conhecida como Rapa Nui (a própria ilha e seu idioma são conhecidos pelo mesmo nome). Dentre as várias histórias que escutei dos guias por lá, a que mais me impressionou afirma que os Rapa Nui desaprenderam a navegar depois de algumas gerações instalados nesse ponto no meio do Pacífico. Com isso, mesmo tendo vindo de léguas de distância no passado, eram incapazes de deixar a ilha depois de algum tempo. Veja aí uma ilustração do isolamento que eu falava lá em cima.

No Timor-Leste (que mencionei aqui), acabei parando por causa da minha pesquisa de mestrado, mas o fato de ser uma ilha tornou sem dúvida o lugar mais interessante para mim. Justamente por ser uma ilha, entre o arquipélago da Indonésia e a Austrália, foi invadido diversas vezes em diferentes momentos. No século XVI, foi disputada por Holanda e Portugal; na II Guerra Mundial, foi invadida pelo Japão na sua conquista do Pacífico; na mesma época, foi também ocupada pela Austrália. Por fim, foi invadida em 1975 pela Indonésia, passando por 24 anos de domínio indonésio, marcado por diversas violações aos direitos humanos.

Mais visitada, mas igualmente moldada por sua insularidade, a Austrália é outro grande exemplo. Separada dos demais continentes na deriva continental, seu isolamento permitiu o desenvolvimento de animais únicos e com características bizarras. Vide o ornitorrinco, mamífero com bico de pato, rabo de castor, que ainda por cima põe ovos, e só é encontrado no território australiano.

Nas próximas férias, dê um tempo às ilhas mais procuradas (Manhattan, Île de France, Capri) e tente aquelas mais exóticas. Elas guardam surpresas incríveis. Galápagos, Chipre, Madagascar e Sri Lanka já estão na minha lista.

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