terça-feira, 22 de abril de 2014

Viagem de Carro

{Estrada na direção de Nîmes, no sul da França, que me lembra um trecho da Dutra saindo de Resende}

Feriadão para mim terá sempre cara de viagem de carro na infância. Cada fase da vida teve seus itinerários: lá pelos meus dois anos, Angra dos Reis; um pouco mais velha, um hotel de trânsito em Itaipava; logo depois, uma praia reservada do exército em Niterói; lá pelos 11 ou 12 anos, um hotel paradisíaco na serra; no começo da adolescência, Búzios. Isso sempre intercalado com viagens à casa do meu avô em Penedo e Resende e à fazenda de uma tia em Friburgo. Na maior parte das vezes, como na vida em geral, o que importava não era o destino, mas sim o trajeto. A verdade verdadeira é que não sou a maior adepta de viagens curtas. Acho um desgaste muito grande toda a preparação de uma viagem para ela durar poucos dias. Mas acredito que são poucas as crianças que não tenham alguma história para contar sobre viagens de carro. Lá em casa, o folclore gira em torno de duas cenas recorrentes.

A primeira delas diz respeito à minha incapacidade quando criança de dizer que estava enjoada. O meu desconforto ia aumentado na proporção das curvas da estrada. Lá pelas tantas, quando a ânsia de vômito já estava na garganta, dizia “estou com dor de pescoço”. Afinal, o desconforto parecia ser no pescoço, enquanto a noção de causa e consequência de que eu estava prestes a botar tudo para fora era muito abstrata aos quatro anos de idade. No começo, achando que dor de pescoço significava dor de garganta, eu ainda ganhava umas baforadas de Flogoral, o que em cima da sensação de enjôo era o estopim para vomitar. Com o tempo, o código “dor de pescoço” foi decodificado e passou a ser respondido com uma parada providencial no acostamento.

Outra prática recorrente, e essa não só na minha vida, como também na de qualquer um que já foi e convive com crianças, era começar lá pela metade do caminho a perguntar se já estávamos chegando. Para acalmar a ansiedade, meu pai começava uma contagem bem peculiar, que acabava me distraindo até a chegada. Consistia em contar da seguinte maneira:

Um; e um e dois; e dois e três; e três e quatro; e quatro e cinco; e cinco e seis; e seis e sete; e sete e oito; e oito e nooooooooooooooooooooooooooooooooooooove; e dez.

O nove sempre se estendia até alguém perder o ar na sucessão de Os. Uma contagem tão longa levava (e distraía) pelo menos três vezes o tempo de uma contagem normal. Idéias do meu pai, como a “língua das cobradas”, sobre a qual comentei aqui.

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Não satisfeito com o feriado prolongado, fruto da união da Páscoa e do feriado de Tiradentes, o Rio de Janeiro ainda tem a quarta-feira de recesso pelo dia de São Jorge. Espremida entre os dois dias livres, está essa pobre terça-feira, que deve estar sendo xingada à exaustão por quem tem que trabalhar hoje. E, olhe só, não é que hoje é dia do descobrimento do Brasil?

Para animar um pouquinho, deixo com você um poema de Oswald de Andrade que não poderia ter dia mais propício para ser lembrado. Para escutá-lo, é só clicar no botão lá embaixo.

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português


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(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. Levar vc pra passear de carro é bom porque vc não dorme (sim, tem gente que dorme! mesmo em trajetos curtos por onde nunca passaram…fico enjuriada) e ainda rende crônica.

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  2. A cada leitura, um prazer imensurável... A de hoje, em especial, foi uma viagem conjunta, onde tive que fazer muitas paradas, ora para imaginar esse pai, ora, curtindo aquela cuidadosíssima mãe e sendo invadida por recordações particulares, onde essas situações passam quase batidas e por fim para dizer mais uma vez "Parabéns"", pela facilidade e singeleza, com que você se reporta e permite ainda tanta associação !

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