sexta-feira, 30 de maio de 2014

Bagagens: Suíça, Berna

{Chafariz em frente à sede do Banco Nacional Suíço, em Berna}

Berna só entrou no nosso roteiro por conta da sua posição geográfica, entre Genebra e Zurique. Justamente pela total falta de expectativas em relação à cidade o passeio foi tão bom.

Passeamos entre as casas que parecem de boneca, nos divertimos à custa de um grupo de turistas orientais e passamos o final da tarde sentados numa escadaria observando crianças brincarem num chafariz high-tech. Na minha lembrança, Berna foi um dos poucos momentos na vida em que eu realmente não me preocupei com nada. Só não posso dizer o mesmo sobre o André.

No último dos nossos dois dias lá, fomos ao Museu de História de Berna (Bernisches Historiches Museum), que também abriga no seu palácio o Museu Einstein. Este último era o que verdadeiramente nos interessava, já que a Casa de Einstein – que abriga também um pequeno museu – havia fechado mais cedo no dia anterior e por isso não pudemos visitá-la. Albert Einstein viveu algum tempo na cidade, onde foi um burocrata do Escritório de Patentes enquanto desenvolvia grande parte de suas teorias mais notórias.

A exposição sobre o cientista é de veras interessante e atrativa para todas as idades. Além de contar a vida de Einstein, a curadoria se preocupou em tentar explicar de forma simples o trabalho do físico e, para isso, fez uso de diferentes meios, inclusive alguns desenhos animados exibidos em pequenas televisões num salão central da exposição. André ficou fascinado por essa parte e queria ver todas as televisõezinhas. Como já contei aqui antes, tenho grande dificuldade e aversão a abstrações e meu tempo de tolerância aos tais vídeos explicativos foi bem menor do que o dele. Percebendo que a exposição continuava por uma porta à direita, resolvi seguir adiante, mas não sem antes deixar bem claro onde estaria para que não nos perdêssemos.

- André, tá vendo aquela portinha ali à direita?

Ele fez um movimento concordando com a cabeça, mas não se dignou a desviar o olhar da tela para ver a porta que eu estava apontando.

- A exposição continua por ali e é para lá que eu vou. Você ouviu? Presta atenção porque tem uma escada que leva para o segundo andar, mas eu não vou subir, eu vou por ali por aquela portinha, tá certo?

Mais um aceno de cabeça por parte dele e eu tomei meu rumo. A exibição ficou bem mais interessante para mim, pois as explicações científicas terminavam na tal sala central, dedicada ao annus mirabilis de Einstein, época em que ele fez a maior parte de suas descobertas. Quase no final da exposição, toca meu celular. Levei um susto: costumo tirar o som do telefone quando entro em museus, mas ainda não estava habituada ao fato de termos comprado um chip suíço para usar durante a viagem. Do outro lado da linha, falava nosso amigo que estava morando em Genebra e que iríamos reencontrar no dia seguinte em Zurique. Havia certa preocupação na sua voz quando me perguntou, prontamente, se estava tudo bem. Respondi que sim e ele perguntou onde eu estava e avisou que o André estava me procurando. Disse que estava em um museu e não dei muita bola para a segunda parte da sua fala, afinal, o André estava na mesma reta que eu. Não fazia sentido na minha cabeça o fato de ele estar me procurando. Nos despedimos mencionando o encontro futuro em Zurique e eu, que já estava no finalzinho da exposição, terminei de vê-la sem muita pressa. Por sinal, quando o tal amigo me telefonou eu já “estava” na morte de Einstein, que me aterroriza até hoje. Pelo que se conta, internado num hospital norte-americano, ele se virou para a enfermeira e pronunciou uma frase em alemão. A pobre mulher, que não dominava a língua, não entendeu suas últimas palavras. E assim o mundo ficou sem saber a última mensagem do pai da relatividade. Desde então, consta da minha lista de desejos ser assistida nos meus últimos dias por uma equipe lusófona.

Fazendo o caminho de volta pelo corredor do museu, percebi que na meia-hora anterior, desde o momento em que passei pela tal porta à direita que indiquei ao André, não tinha visto viva alma. Absolutamente ninguém havia seguido a exposição depois da sala onde passavam os tais vídeos científicos. Chegando à sala central, não encontrei o André. Voltei para a entrada do museu e ainda caminhei por uns cinco minutos até encontrá-lo apavorado com a camisa encharcada de suor.

Ele simplesmente não havia visto a porta e, quando pediu ajuda, ninguém entrou pela tal passagem para me procurar. No desespero, percebeu que não tinha o número de celular que estávamos usando na Suíça, nem o número de telefone do nosso amigo, que estava salvo no aparelho que estava comigo. Quando achou um telefone público, ligou para a sua casa no Brasil para pegar número do amigo em Genebra. Só então conseguiu falar com ele e pedir que me telefonasse. Nisso tudo, o mais estranho é o fato de ninguém perceber o caminho à direita que dá para mais da metade da exposição em questão. Tudo era tão surreal que tive que voltar até a sala central para me certificar que a tal porta realmente existia e era visível. Sim, ela estava lá. Mas ao que tudo indica, enquanto o André assistia a uma animação sobre a relatividade, atravessei a porta para um universo paralelo.

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