terça-feira, 27 de maio de 2014

Espetacular

{Visão interna da sala de concertos da Ópera de Sydney}

A primeira vez em que fui a um cinema em um país estrangeiro tinha treze anos. Fui porque uma turma da minha idade pretendia ir. Assim, fui parar em um filme da série Star Wars falado em inglês e legendado em espanhol. Eu nunca tinha visto nenhum filme da franquia e tanto meu inglês quanto meu espanhol eram rudimentares.

Em resumo: foi quase uma experiência dadaísta. Depois disso, passei um bom tempo evitando qualquer tipo de espetáculo durante viagens. Achava um desperdício gastar tempo que poderia ser aproveitado para conhecer uma cidade dentro de uma sala fechada.

Naturalmente, não estou falando de apresentações típicas, as quais todo turista é submetido uma hora ou outra. Foi em Madri (como já mencionei aqui) que, por estar numa situação menos turística, comecei a dar uma chance aos teatros no exterior. Na primeira vez que fui visitar o André, que estava fazendo intercâmbio lá, ele me levou a uma peça chamada La Cena de los Generales (“o jantar dos generais”). Ele havia assistido à encenação uma semana antes e achou que eu ia gostar bastante da história. Para melhorar, os preços eram promocionais e cada entrada saiu por algo como cinco euros. Os diálogos eram geniais e, além de tudo, a peça fazia referência aos tempos da ditadura franquista, dividindo a hierarquia da cozinha numa guerra entre cozinheiros comunistas e garçons fascistas. Foi ali que perdi a implicância e comecei a procurar mais espetáculos para assistir por minhas andanças.

Ainda nas visitas ao André, fomos ver uma ópera (La Vera Constanza, de Joseph Haydn) e uma zarzuela (La Taverna del Puerto, de Pablo Sorozábal). Este último gênero é caracteristicamente espanhol e trata-se de um teatro lírico. A zarzuela caiu um pouco em desuso, como tudo que o ditador Franco gostava, depois da redemocratização nos anos 70. Mas ganhou mais um fã com o André. Perdi o número de vezes que o vi assistindo à zarzuelas pela internet depois que voltamos ao Brasil. Já eu continuo mais fã dos ballets e das óperas e foi assim que fomos parar numa encenação de Romeu e Julieta, pelo corpo de ballet da Moldávia em Bruxelas, e em As Bodas de Fígaro, na Metropolitan Opera House durante estadia em Nova York. A ida ao Met Opera era inclusive um sonho antigo. Mesmo que a montagem de uma das mais famosas óperas de Mozart não fosse incrível – o que foi – a visita ao prédio já teria valido os ingressos que custaram os olhos da cara. Uma das coisas que mais me impressionaram foi o fato de a legenda não ficar exposta num telão comum acima do palco: cada cadeira tinha seu próprio visor e a legenda podia ser programada em três diferentes idiomas. Depois disso, os musicais da Broadway não tiveram a menor graça para mim.

A viagem a Nova York não foi a última vez em que o maior chamariz para ver um espetáculo foi o prédio que o hospedava. Durante minha passagem pela Austrália, a única certeza é que queria visitar a Opera House de Sydney. Lá, resolvi dar uma olhada na programação e descobri que estava marcado para aquela semana um concerto chamado War Requiem (“réquiem para a guerra”), de Benjamin Britten. Para alguém que estava voltando de Timor-Leste para fazer uma pesquisa sobre operações de paz, achei que a coincidência era um aviso do destino. Logo depois, descobri que estudantes tinham um grande desconto e que o ingresso me sairia por uma pechincha, se fosse comprado para a mesma noite (salvo engano, paguei menos de 30 dólares australianos). Adquiri minha entrada, sentei nas escadarias da Ópera lendo o livro que estava na minha bolsa (na época, O Ano em que Pigafetta Completou a Circum-navegação, de Luís Cardoso, que já mencionei aqui) e esperei até a hora em que a sala do concerto seria aberta. A sala, como pode ser visto na foto que abre este texto, é de deixar qualquer um boquiaberto. Como se não bastasse, pouco antes de tomar meu assento, escutei uma música vindo dos fundos do prédio. Segui o som e cheguei num pequeno anfiteatro que dava de frente com uma enorme vidraça debruçada sobre a baía de Sydney. Uma senhora tocava num rádio pequenas partes do concerto que eu estava prestes a assistir pra uma pequena platéia muito atenta. A explicação era a seguinte: pouco antes dos espetáculos, há uma rápida aula gratuita para os espectadores sobre a obra que irão escutar. Ali, a Austrália que até então estava sendo meio decepcionante para mim, ganhou meu coração.

Porém, a vez que mudou completamente minha opinião sobre espetáculos durante viagens veio alguns anos antes, durante uma ida a Paris em 2011. Nessa viagem, voltei a Lisboa para visitar amigos e resolvi passar cinco dias na capital francesa. Minha irmã que mora no sul da França perguntou se podia se juntar a mim em Paris e achei a idéia bem divertida. Um dia, por telefone, ela me perguntou se eu já havia assistido ao mais recente filme de Woody Allen na época, Meia-Noite em Paris.

- Então não assiste até lá. Vai ser engraçado assistirmos juntas em Paris.

Concordei mais pela animação da sua voz do que por achar uma boa idéia. Já havia superado o preconceito de ir ao teatro, mas continuava desconfiando que gastar duas horas em uma sala de cinema era bobagem. Lá, decidimos ver o filme numa sala no Champs-Élysées, que tinha um bom horário para sairmos a tempo de jantar por ali. O filme, que é uma ode à Cidade Luz, faz com que qualquer espectador queira estar em Paris. E, adivinhe só, eu estava! Ao sair do cinema, demos de cara com o Arco do Triunfo e era preciso admitir: a idéia da minha irmã foi espetacular.


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  1. Muito bom querida....aprendi muito. Ver as coisas através dos seus olhos esta sendo maravilhoso
    Ana Marya

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