sexta-feira, 20 de junho de 2014

Bagagens: França, Chantilly

{Fonte do Palácio de Chantilly}

Em 1999, antes do Castelo de Chantilly ficar famoso pelo casamento do Ronaldo, o Fenômeno, minha mãe descobriu que saía dos seus jardins um passeio de balão. Saímos de Paris, rumo ao palácio, minha mãe, meu pai, uma amiga brasileira que morava na capital francesa, o motorista brasileiro que nos atendeu durante a viagem e eu. Chegando lá, descobrimos que o vento não permitiria a saída do balão, uma decepção geral. Para piorar, se não me falha a memória, o castelo e os jardins passavam por uma espécie de reforma, o que dificultava qualquer tipo de visita. Até que, entre as fontes esvaziadas para manutenção, minha mãe viu uma oportunidade única.

- Aproveita que está sem água, pula ali para dentro e tira uma foto imitando o Netuno!

Fui. Fazer o que? Minha mãe mandou... E assim a amiga brasileira, que é fotógrafa, tirou com a nossa câmera mambembe mesmo a foto que ilustra este texto.

Nessa de não conseguir fazer o vôo de balão planejado, bagunçamos todo nosso cronograma. Saímos do terreno do castelo pouco depois da hora do almoço, todos os cinco famintos, e fomos em direção ao pequeno centro da cidadezinha. Como é de costume no país, todos os restaurantes da região estavam fechados. Na França é assim: refeição tem hora, quer você queira, quer não. Por fim, encontramos um único estabelecimento aberto que, cá entre nós, não era muito convidativo. A atendente não era exatamente antipática, mas deixou logo claro que, pelo adiantado da hora, teríamos que pedir algo simples. Sem outra opção, os quatro adultos pediram omeletes e afins, enquanto eu pedia um cachorro-quente.

Desde que sentamos à mesa ninguém estava mais muito preocupado com a comida. Como jogo americano, o restaurante usava um papel com uma fotografia de três ou quatro taças de sorvetes incrementadas com chantilly, biscoitos, caldas e outras gostosuras. Mesmo depois que o almoço chegou e todos constataram que tudo estava uma porcaria, ninguém reclamou: a promessa de uma sobremesa deliciosa compensava a comida insossa. Todos se fiavam na idéia de que, mesmo que o prato principal estivesse mal feito, não há como errar com sorvete. Retirada a louça, chamamos a garçonete novamente e cada um começou a apontar no papel à sua frente a taça com a combinação de sabores que queria. Foi só nesse momento que a atendente, muito sem graça, comunicou que se tratava apenas de um pacote de papéis que o restaurante usava para forrar a mesa. Eles não tinham aquelas opções de sobremesa.

Um silêncio constrangedor e desolado foi compartilhado por todos os convivas. Até que alguém, acho que meu pai ou minha mãe, resumiu o sentimento geral.

- Eu tinha colocado todas as minhas expectativas nesse sorvete.
- Eu também!

Quem concordava era o motorista extremamente discreto, que pela primeira vez expressava sua opinião durante toda a refeição. Até hoje me lembro do seu olhar de frustração sobre o grosso bigode preto.


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