terça-feira, 17 de junho de 2014

Nas páginas ou nas telas?

{Astérix e Obélix: um livro, que virou filme, que virou parque de diversões}

Uma vez perguntei aqui no blog o que era melhor: ler um livro encenado em um determinado lugar antes ou depois de visitá-lo na vida real? É uma resposta que não tenho. Porém, para a pergunta “é melhor ler um livro antes ou depois de assistir um filme adaptado de sua história?” a minha resposta será sempre “antes!”.
Acho que nisso não discordo da maior parte das pessoas. Livros têm a capacidade (e o espaço necessário) para desenvolver melhor os personagens e seus conflitos, coisa que dificilmente um ator ou atriz é capaz de fazer num espaço de tempo de cerca de 120 minutos. A não ser que seja a Meryl Streep. Mas aí já é covardia.

Além disso, o livro permite que você busque suas próprias referências para enxergar fisionomias e cenários. Li em alguns artigos que Gabriel García Márquez proibiu a venda dos direitos de Cem Anos de Solidão para o cinema porque não queria que o rosto de atores pré-definissem a imagem dos personagens. O autor dizia que recebia muitas cartas em que as pessoas lhe escreviam “seu personagem X é igual ao meu tio”. Para que isso continuasse acontecendo, o personagem X não podia ter a cara do Gregory Peck. Saber o final de um livro nunca foi motivo para eu deixar de lê-lo, pelo contrário. É o cerceamento da liberdade imaginativa que me faz sempre preferir ler os livros antes de ver seus filmes.

Por outro lado, não acho verdade que os livros sejam sempre melhores que os filmes. Histórias extremamente visuais costumam dar mais certo na tela do que no papel. Da mesma forma, livros medianos podem dar bons filmes. Passando agora o olho rapidamente pela estante, me deparei com diversos exemplos que me causaram reações diferentes. Vamos a eles:

Bridget Jones (primeiro e segundo livros), de Helen Fielding
É o tipo de livro que minha mãe sempre me comprava em dezembro, para começar as férias esvaziando a cabeça. E não digo que seja um livro de esvaziar a cabeça como algo pejorativo. Os livros são hilários, mais hilários do que os filmes, que por sua vez já são bem engraçados. As histórias originais são menos caricaturais do que as do cinema e o enredo foi bastante modificado, principalmente no segundo filme. Mesmo quando os personagens são mantidos, suas funções na história sofrem modificações drásticas. Nesse caso, fico com os livros. Ainda mais levando em conta o terceiro, que ainda não foi para as telas. Apesar de ter um tema bem mais denso do que os dois primeiros, é igualmente bem-humorado.

O Diabo Veste Prada, de Lauren Weisberger
Mais uma dessas leituras feitas em dezembro para esvaziar a cabeça. Para mim, esse é um caso em que uma história exaustivamente visual ganhou um ritmo melhor no cinema. Parte importante da história é a influência e o poder de objetos de grifes. A descrição dos produtos é fundamental para dar a dimensão da indústria da moda que engole a vida pessoal da protagonista, mas algumas vezes é enfadonha no livro. Além disso, Meryl Streep está no elenco, o que já desnivela a disputa. Porém, é preciso ter em mente que a história do livro é bem mais densa e, pode acreditar, a editora de moda megera é muito mais barra pesada nas páginas do livro. A protagonista também não deixa por menos e tem atitudes mais extremas do que sua equivalente no filme.

Bonequinha de Luxo, de Truman Capote
Trata-se de uma adaptação conhecidamente controversa. O próprio Capote detestou o resultado do filme. Não é de causar espanto: a história sofre sérias mudanças no seu enredo. Para começar, o final da história é apresentado nas primeiras páginas do conto (sim, é a adaptação de um conto, não de um livro). A protagonista original era uma adolescente, muito mais ingênua e inconsequente do que a mulher adulta interpretada por Audrey Hepburn. Mas como não amar Audrey Hepburn nesse papel? É justamente aí que fica o meu posicionamento em cima do muro nesse caso. Não sei qual prefiro. O livro é muito menos açucarado do que o filme, mas, quando penso em dizer que prefiro a versão original de Capote, me lembro de Audrey cantando “Moon River” e fico dividida de novo. Acho que o mais justo é dizer que são histórias bem diferentes e que a do livro é mais instigante do que o suave romance das telas.

O Menino do Pijama Listrado, de John Boyne
A idéia central – o nazismo enxergado por duas crianças, uma alemã e uma polonesa – é bastante interessante. Mas a força do livro se baseia o tempo todo na verossimilhança com a vida num campo de concentração, o que não é transmitido ao leitor de fato. Quando vi no making of do filme o autor comentando que escreveu o livro em uma noite, entendi um pouco o problema: dá para perceber que o desenvolvimento da história não passou por uma maturação, embora o argumento central seja bem bolado. O filme, de certa forma, consegue superar algumas das faltas de detalhe e as interpretações são muito boas. A solução para encurtar o final e deixá-lo mais impactante também é boa, com a mãe se dando conta do que ocorreu ao lado de uma cerca. Entre as duas versões, fico com a do cinema.

A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera
Esse, junto de 1984, é meu livro favorito. E sou capaz de apostar que você sempre achará a adaptação para o cinema do seu livro preferido uma porcaria. Gostar tanto assim de um livro significa encontrar em detalhes da escrita sentimentos que falam de uma forma muito íntima. Em uma versão reduzida por questão de tempo e linguagem, a maior parte dos detalhes são deixadas de lado, isso quando não são suprimidos personagens e cenas inteiras. Isso é o que acontece no filme de A Insustentável Leveza do Ser. É engraçado porque o filme é considerado uma das melhores adaptações já feitas da literatura para o cinema. Fui assisti-lo com essa expectativa e fiquei muito decepcionada. Não posso dizer que o filme é ruim, não é mesmo, mas, por favor, não deixe de ler o livro.

O Leitor, de Bernhard Schlink
O livro caiu na minha mão de uma forma gostosa, pouco depois do filme ter sido lançado. Ia viajar com a família do meu marido (na época namorado) para o Peru e meu pai me deu de presente na livraria do aeroporto. Fui lendo no avião e não consegui parar de ler no translado de carro. A história é muito boa e muito bem escrita. Muito tempo depois vi o filme e ele faz bastante jus ao texto em que foi baseado. Mais uma vez, algumas cenas são suprimidas, inclusive uma que acho que reforça o dilema principal da protagonista e da qual senti falta no filme. Aqui, de novo, a interpretação da atriz principal, Kate Winslet, ajuda muito. Essa disputa para mim é quase um empate, mas ainda tendo a ficar com o livro.

Reparação, de Ian McEwan
Já falei dele no texto em que falo sobre livros que me fizeram chorar. Que livro! O filme fez bastante sucesso e foi uma sorte ter conseguido lê-lo, mesmo anos depois de seu lançamento, sem ter visto a adaptação para o cinema antes. Por sinal, o filme é bem feito, mas ao meu ver simplifica demais o dilema moral da protagonista. Além disso, o final do livro, com a personagem principal já idosa reencontrando a família, é modificado para se encaixar melhor no relato cinematográfico. Também foi uma enorme quebra de expectativa para mim que a personagem, descrita durante todo o livro como alguém de cabelos negros e longos, fosse loira de cabelos curtos. Bobagens que vão perdendo a boa vontade do expectador que leu a versão original. A verdade é que se trata de uma história que, por sua forma narrativa, é extremamente difícil de ser adaptada. O fato de terem conseguido fazer isso de forma consideravelmente fiel ao livro é um grande mérito. Ainda assim, é outro livro que merece bastante ser lido e não pode ser substituído por sua versão para os cinemas.

E você? Qual a sua experiência com o assunto? Seu livro favorito foi adaptado para o cinema? Me conta.

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  1. Ótimo texto! Eu tenho minhas dúvidas sobre a ordem. As vezes eu acho q ler antes quebra todo o clima do filme. Por outro lado, as vezes acho q ver o filme antes desperta a curiosidade pra ler o livro.

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