terça-feira, 29 de julho de 2014

Dedico a você

{Dedicatória no Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos}

Uma vez ouvi que dedicatórias só podem ser escritas em livros pelos seus próprios autores. Que lástima! Sendo verdade ou não, significa que ainda há gente que pensa que se pode limitar a apropriação que o mundo faz de uma obra literária. É pior do que não entender que “os filhos são para o mundo”. É uma dessas mesquinharias sem tamanho.

Para mim, dedicatórias são, inclusive, o único momento em que se pode encostar uma caneta num livro. Sou das que só escrevem em livros a lápis e com códigos pré-estabelecidos por mim mesma para manter um padrão. Sublinhar, só se for usando uma régua. E quem marca página fazendo orelha no livro deveria ser sumariamente enviado(a) ao inferno. Se o livro é da Humanidade, não tem nada que ficar pichando ele por aí. Pois é, também tenho meus radicalismos que, como radicalismos em geral, não fazem muito sentido.

Voltando ao ponto que importa, acho dedicatórias das coisas mais bonitas que existem. Há pessoas que deviam se especializar nisso, de tão elegantes que são na hora de escrever uma mensagem para quem querem presentear. Infelizmente, não sou uma delas, embora quisesse ser. Vez ou outra me arrisco aqui e ali, mas está longe de ser um dom. Porém, tive a sorte de ser agraciada com algumas das dedicatórias mais bonitas das quais já tive notícia. 

Para não ser injusta com as várias dedicatórias que já recebi, escolhi como exemplo apenas duas que são extraordinárias. A primeira delas, me foi escrita por um grande amigo dos meus pais, que me conhece desde que nasci e por quem tenho grande admiração. Perto do Natal de 2005, ele telefonou para perguntar à minha mãe se havia algum livro que eu estivesse querendo. Minha mãe, munida com a lista que eu fazia todo ano com os títulos desejados em ordem de preferência, comunicou a primeiro colocado na listagem: um Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos. Não lembro bem como o livro chegou até mim, mas não sou capaz de esquecer sua dedicatória (até porque esse é provavelmente o livro que mais manuseio, e nunca deixo de dar uma espiadela nas palavras escritas na folha de rosto).

Nele se lê: “À querida Gabriela, cujas jovialidade, beleza e inteligência tantos sinônimos angariarão vida afora, ao mesmo tempo que a protegerão dos antônimos.”

É o tipo de frase a qual se quer recorrer nos dias de baixa autoestima. O único perigo é se frustrar por não ser capaz de repetir o feito de colocar tanto conteúdo e distinção em um par de linhas. 

A outra dedicatória que guardarei para sempre na estante e na memória foi um presente de um querido amigo. Esse amigo, é preciso que se diga, tem um talento para a escrita fora do comum. Se por um acaso da vida ele nunca vier a publicar um livro, azar será de todo ser pensante alfabetizado. É o tipo de pessoa que não devia ter o direito de não dividir com o mundo aquilo que escreve. No momento, ele se encontra perdido em algum lugar da Chapada dos Veadeiros, mas assim que estiver comunicável novamente, tentarei convencê-lo a me indicar uma forma de dividir seus textos com os leitores do blog.

Ele tentou me convencer várias vezes a ler algo de Hermann Hesse e, por absolutamente nenhum motivo consciente, eu continuava insistindo em não fazê-lo. Até que, em um aniversário meu, ele chegou com Sidarta para mim. 

Como dedicatória, citando O Lobo da Estepe, do mesmo autor, está escrito:
“Gabriela, este mesmo autor, certo dia, como também há de fazê-lo a você, me disse que da mesma forma que não fomos feitos para a água, não fomos feitos para pensar: caso insistamos, corremos o risco de nos afogar.
“Revestindo-me de uma autoridade um tanto ousada, penso que é apenas nos afogando que descobrimos, enfim, nossa capacidade secreta de respirar debaixo d’água.
“Bom fôlego!”

Diga se não é o tipo de pensamento que tem que ser compartilhado com o mundo?

E você? Tem alguma dedicatória de estimação?

Deixe suas impressões
(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. Gabriela,

    É muito difícil! Quase todas vêm com a chancela insondável de uma página da alma. Não acho missão fácil escolher dedicatórias.
    No entanto, facilmente, posso fazer uma: "Como é difícil, quase insondável, escolher qual das suas páginas tem a chancela da alma mais bonita!"

    Fernando.

    ResponderExcluir