terça-feira, 15 de julho de 2014

Ficção e Não-ficção

{No Museu D'Orsay em frente a um quadro que não lembro o nome}

Gostaria de fazer esse post com mais vagar e detalhe, mas o relógio não deixa. Outro dia estava me lembrando que li “Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extramoral”, de Friedrich Nietzche no começo da graduação. Pois é, já faz tempo... Mesmo correndo o risco de fazer uma simplificação superficial demais, acho que o texto levanta uma questão interessante.

Em resumo, Nietzche faz um contraponto entre a verdade e a mentira mostrando que, no começo da vida em sociedade, começou-se a punir os indivíduos que mentiam, porque colocavam a segurança da coletividade em risco. Ao não transmitirem uma mensagem verdadeira, privavam o grupo de uma informação que podia salvá-lo de um ataque ou coisa do gênero. Logo, a dissimulação passou a ser condenada, não por ser mentira, mas pelas suas conseqüências deletérias. Dito isso, existe espaço para mentiras que não causem danos à coletividade. Exemplo desse tipo de mentira “aceitável” seria a arte.

É claro que o texto é muito mais elaborado, mas isso já nos serve por agora. A questão é que, e aqui começam minhas elucubrações, relacionamos naturalmente a arte com a beleza. Assim, como a arte está relacionada à não-verdade, tratamos de relacioná-la com a ficção. Acredito que isso faça, de alguma forma, com quem vejamos a literatura de não-ficção como algo menor, algo que não pertence à categoria de arte e, por conseguinte, não é tão belo.

Coitados dos livros de não-ficção! Vim advogar a favor deles. São muitos os livros não-ficcionais que merecem o mesmo reconhecimento pela sua forma que recebem pelo seu conteúdo. Não digo que se tratem de obras de arte, mas não faço isso porque acho que eles não o são: faço simplesmente porque não sei definir arte e não pretendo me estender nesse debate. Então, se você está querendo se aventurar mais por esse mundo alternativo dos livros, mas não pretende perder na qualidade da leitura, aqui vão algumas dicas minhas.

Fama e Anonimato, de Gay Talese
Gay Talese é um dos principais nomes do chamado jornalismo literário, corrente que valoriza a descrição detalhada no relato jornalístico. No caso específico de Talese, isso fez com que seu trabalho se tornasse uma das leituras mais impressionantes e profícuas que já tive em mãos. Fama e Anonimato traz, por exemplo, um perfil da sociedade de Nova York irretocável e um perfil de Frank Sinatra considerado uma das melhores peças do jornalismo até hoje. Se você ainda não está curioso o suficiente, adianto a você que Sinatra usava perucas.

Não Há Silêncio que Não Termine, de Ingrid Betancourt
Por mais reservas que eu possa ter por autobiografias (e biografias autorizadas, o que fica como assunto para outro post), essa é um dos melhores suspenses que já li. Acredito, sem dúvida, que Ingrid Betancourt pinta com cores muito lisonjeiras suas escolhas e atitudes enquanto esteve seqüestrada pelas FARC. Porém, isso não diminui em nada o drama do cativeiro e a tensão de cada tentativa de fuga. Mesmo sabendo que a senadora colombiana ficou sob poder da guerrilha por sete anos, o livro é tão bem escrito que o leitor acredita que ela vai conseguir escapar a cada tentativa. O capítulo “A Morte de Pinchao” é maravilhosamente bem escrito.

Uma Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson
É o presente ideal para qualquer pessoa sedenta por conhecimento. Trata-se de uma grande história do planeta Terra. Um dos seus maiores méritos é transformar assuntos do âmbito científico não apenas em palatáveis, mas também em passagens divertidas. Demonstração do mérito do autor está no fato de, mesmo sendo jornalista, ele ter recebido um prêmio científico com esse livro.

Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, de Reza Aslan
A polêmica que o livro causou, principalmente nos Estados Unidos, é proporcional ao seu brilhantismo. Além de ser uma teoria sobre o Jesus histórico extremamente bem construída e respaldada em evidências, o livro é ótimo e tem o poder de transformar uma leitura densa em algo muito agradável. Daqueles livros difíceis de largar antes de chegar no final. Para mim, desatou muitos nós que não faziam sentido em relação ao princípio (aqui entendido como começo e valores) do cristianismo. A introdução já dá uma aula de como escrever não-ficção com primor ao descrever o assassinato de um sacerdote judeu.

Um Lobo Solitário, de Graham Greene
É o livro que estou lendo no momento. Peguei achando que era um romance e só descobri que se tratava de uma espécie de reunião de lembranças do autor sobre uma determinada figura panamenha na introdução. Até agora, no primeiro terço do livro, não fez diferença: é tão sarcástico e envolvente como os romances de Greene. Se você gosta do autor, vale dar a mesma atenção dispensada aos seus livros de ficção. Se você não gosta de Greene... Bem, aí talvez seja hora de você rever seus conceitos.

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