sexta-feira, 11 de julho de 2014

Para a Alemanha, com amor

{Na falta de uma foto digitalizada da Alemanha, uma estátua em Delft, na Holanda}

Costumo anotar mentalmente posturas e atitudes que acho bonitas. Meu objetivo é ter um arquivo de “boas práticas” para ser bacana com as pessoas como já foram comigo antes.
Normalmente não são coisas grandiosas, mas pequenos gestos que não exigem esforço quase nenhum e podem fazer uma diferença enorme no dia (e na vida) de alguém. Minha estadia em Portugal me ensinou muito sobre isso, como já disse aqui e aqui.

Uma atitude simples, que vi se repetir algumas vezes, foi muito boa para mim e é o tipo de exemplo que costumo lembrar quando penso no assunto. No final da minha graduação em jornalismo, fui convidada para fazer um pequeno trabalho como freelancer (que depois se tornou um trabalho de quase um ano) numa revista de grande porte. Iria ajudar numa matéria extensa sobre demografia, principalmente buscando dados sobre crescimento populacional. Logo me passaram algumas orientações do que procurar e pediram que eu fizesse uma entrevista que já estava agendada. Tratava-se de uma entrevista por telefone com um alto funcionário da FAO, agência para alimentação da ONU. Preciso destrinchar a frase anterior para explicar o arrepio que me deu na espinha quando recebi esse comunicado:

1. Não tenho absolutamente problema nenhum em falar em público, seja para o tamanho da platéia que for, mas nunca gostei de falar ao telefone. O fato de ouvir a voz, mas não ver meu interlocutor, me deixa bastante desconfortável até hoje. Esse era o primeiro obstáculo, já bastante previsível numa carreira jornalística, que eu teria que transpor;

2. Sempre tive uma admiração enorme pela ONU e, sabendo que a FAO é uma das agências mais presentes no terreno e mais preparadas logisticamente para o atendimento humanitário, falar com um figurão de lá acrescentava um peso pessoal na minha responsabilidade. Tudo isso somado ao fato de que era minha primeira entrevista como profissional e não como estudante;

3. A entrevista teria que ser em inglês e isso não me deixava à vontade. Elaborar as perguntas era moleza, o problema é retrucar com rapidez numa língua que não é a minha. Para piorar, falar um idioma estrangeiro por telefone é ainda mais complicado, porque não dá espaço para o tipo de pausa para pensar que uma conversa ao vivo permite.

Resumindo, dormi mal nas duas noites anteriores à bendita entrevista. No tal dia, segui para a sala reservada em que se costumam fazer as entrevistas por telefone como quem caminha para o cadafalso. Do outro lado da linha, um senhor muito gentil me cumprimentou num inglês com sotaque, mas irretocável. Retribui os cumprimentos e, antes de começar a fazer as perguntas, pedi antecipadamente desculpas pelo meu inglês, que estava longe de ser perfeito.

- Não se preocupe! Seu inglês é muito melhor do que o meu português.

Sei que parece uma coisa completamente banal, mas aquilo, dito na sua voz tranqüila, foi uma das falas mais reconfortantes que já ouvi. A entrevista foi ótima e nas outras entrevistas em inglês que fiz dali pra frente, em especial com norte-americanos, vi que eram recorrentes as frases: “desculpe por não falar português com você” ou “seu inglês é muito melhor do que o meu português”. Essas frases se mostraram para mim uma demonstração de respeito sem tamanho. Meu esforço de falar a língua dessas pessoas não era visto como uma obrigação, mesmo que eu fosse a maior interessada em estabelecer aquele contato e o inglês seja o mais perto que temos de uma língua universal. Hoje, consideravelmente mais confiante com o meu inglês, guardo essas frases para o dia em que alguém tentar se desculpar por sua fluência numa determinada língua.

Pois lembrei exatamente dessa situação depois da goleada da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo. Como disse antes no blog, não pretendo tratar do Mundial porque não tenho o menor interesse por futebol e, como não pretendo falar de política aqui, não caberia falar sobre as implicações, essas sim relevantes, da escolha do país como sede. Porém, me importo muito sobre como as pessoas constroem suas relações humanas e políticas (que no final das contas são a mesma coisa vista por enquadramentos diferentes).

Com a Alemanha venho aprendendo nesses últimos dias a como tratar alguém que você venceu numa disputa. Pelo que vi em telejornais e na enxurrada de reportagens compartilhadas nas redes sociais, todos os pronunciamentos, fossem do time, do técnico e dos torcedores, foram extremamente elegantes e gentis com o adversário derrotado. Se não me engano, o técnico chegou a lembrar em um texto divulgado ao público que sente muito pela seleção brasileira porque sabe a péssima sensação de perder em casa na semi-final, como ocorreu com a seleção alemã na Copa de 2006. Vejo aí a mesma lógica de empatia dos meus entrevistados, que procura dizer ao outro “não se preocupe, sei pelo que você está passando e não vou colocá-lo(a) em uma situação difícil”. Entrou para a minha coleção de posturas que servem de inspiração para a vida.

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(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. Gabriela,
    os alemães são de fato ótimos vencedores e também perdedores. Eu estava em Hamburgo na Copa de 2010, vendo o jogo da semifinal Alemanha x Espanha com uns 30 alemães e alguns espanhois. A Alemanha perdeu o jogo, que estava super equilibrado, por sinal. Depois do apito final, no lugar de lágrimas que eu mais que esperava, eles foram abraçar os espanhóis, deram parábens pela vitória e comentaram quão bem eles tinham jogado.

    Essa semana fui ver o jogo do Brasil contra Alemanha com 4 amigos brasileiros em Berlin. No final do jogo, todos nós recebemos ligações de nossos amigos alemães falando que eles sentiam muito que o jogo não tinha ido como a gente esperava e esperando que a gente estivesse bem.

    Eu sei que são exemplos bobos relacionados apenas a Copa, mas mostra como eles,como povo em geral, se preocupam com o próximo na vitória e na derrota..

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  2. Belíssimos, texto e comentário!
    A fraternidade é a riqueza da elegância!

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