terça-feira, 8 de julho de 2014

Vinte e poucos anos

{Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, e seu lema pertinente para a vida}

Um nascimento, uma festa, um bêbado desconhecido em um posto de gasolina e uma missa de sétimo dia me fizeram pensar na vida. Todos esses eventos, à sua maneira, me mostraram que eu não estou mais na fase em que as decisões e conflitos da idade adulta se encontram no futuro. Assim como a maior parte da intitulada Geração Y (aquela que nasceu depois de 1980), vivo na gangorra emocional do “eu SÓ tenho 20 e poucos anos” e do “eu JÁ tenho 20 e poucos anos”. Duvido muito que isso seja privilégio da minha época, por mais que entenda que tudo parece acontecer com mais rapidez agora do que era no passado. Ainda assim, acho que deve ser mais confortável nesse exato momento da História estar na casa dos 20 anos do que na dos 40. Se essa correria de novidades nos apavora, para aqueles que não têm a mesma agilidade em assimilar coisas novas, e ainda não estão em idade para sair do mercado de trabalho, deve ser muito pior.

Mas, como a desgraça alheia não diminui a nossa angústia, tenho os meus dias (não tão raros) em que faço coro com Elis Regina:

“Ontem de manhã quando acordei
 Olhei a vida e me espantei
 Eu tenho mais de vinte anos
 E eu tenho mais de mil
 Perguntas sem respostas...”

Crescer dói. A parte física, com as dores de estirão, é uma ínfima parte da dor total. A questão é que, quando o tempo passa e a conta do condomínio começa a chegar inexoravelmente mês após mês, a gente passa a camuflar a dor de crescer em outras queixas. É a carestia, as pressões sociais, a difícil escolha entre fazer um pé de meia ou a viagem para a Ásia. Dessa forma, fica com mais cara de coisa de adulto, mesmo que o maior dos medos continue sendo ir pegar um copo d’água à noite no meio da escuridão.

Hoje, a crise da meia idade parece chegar antes, o que é uma piada já que a expectativa de vida vai alargando a nossa existência. Os 30 anos apavoram de uma forma absurda. Em nada ajudam as reportagens falando dos jovens milionários abaixo dos 30, sobre as dificuldades de se engravidar sendo uma balzaquiana ou dos lindos casais que acabam de montar suas casas para viverem juntos. O Facebook alheio também não ajuda nada. Embora essas três questões estejam longe de ser as que me tiram o sono, cada vez mais vejo essas dúvidas se tornarem assunto recorrente nas conversas dos meus círculos de amigos. E eu (mais um monte de gente), na frente do espelho, me pergunto: onde é que eu vou fazer A diferença? Mesmo que ainda não tenha chegado bem à conclusão sobre qual diferença é esta que eu quero fazer.

De todas as situações que provocaram essa reflexão de forma mais sistemática, a mais corriqueira foi a principal. Depois da tal festa, em que o assunto da chegada dos 30 anos esteve bem presente, parei às 3h da manhã com meu marido para tomar sorvete numa loja de conveniência. Cada um munido de seu picolé, sentamos numas mesinhas que ficam do lado de fora da loja. Um rapaz bem vestido, que não devia ter mais de 30 anos, entrou muito bêbado na loja e foi abordado com bastante cuidado por um segurança. O funcionário repousou o braço no ombro do rapaz e falou baixinho com ele. Pouco depois, o jovem saiu e, sem sucesso ao tentar dialogar com uma senhora sentada sozinha num dos bancos, se aproximou de nós dois. Ficou em pé ao nosso lado e balbuciou coisas incompreensíveis. Por mais que sempre dê pena ignorar alguém, fizemos o procedimento mais adequado para não piorar uma situação com um estranho fora de si: evitamos o contato visual. Depois de poucos minutos, o segurança que o acompanhava com o olhar desde que ele deixara a loja, veio até a porta e falou com o jovem sem se alterar, apontando para o paredão de prédios ao lado do posto de gasolina.

- Vai para casa, vai descansar. Já pedi para você ir para casa dormir. Eu não queria, mas desse jeito vou ter que falar com sua mãe de novo.

O rapaz só concordava com a cabeça e repetia “estou mesmo muito bêbado, eu devia ir para casa”. Se desculpou comigo e com o André caso tivesse nos incomodado, dissemos que “não, tudo bem” e ele tomou seu rumo, até encontrar um taxista com a janela aberta com quem ficou tentando manter um diálogo até a hora em que fomos embora.

Pela frase do segurança e pelo jeito que ele falava com o rapaz, dava para ver que ele era conhecido no posto e morava ali perto. A ameaça de contar (de novo) à mãe dele que ele estava bêbado conversando com os clientes deixa a entender que aquilo não é nem um pouco raro. Foi então que, pela primeira vez, me caiu a ficha que as doenças e os problemas de “adulto” já são os problemas das pessoas com a minha idade. Não se trata de um jovem viciado e derrubado pela droga da moda, mas sim pelo milenar etanol. Parece idiota, mas até aquele momento eu não tinha pensado no alcoolismo, algo que costumo associar a pessoas mais velhas, como um problema dos meus contemporâneos.

Mais uma vez, os problemas de uma geração para outra são mais parecidos do que costumamos acreditar. Talvez porque queremos acreditar que somos especiais de alguma forma ou porque queremos nos convencer que a nossa dor é mais sofrida do que aquela dos que vieram antes. Nunca houve tanta cobrança para manter a aparência jovial e nunca foi tão difícil alcançar no começo da idade adulta a almejada independência financeira. Mas também a expertise dos mais jovens nunca foi tão valorizada no mercado de trabalho e nunca houve tantas opções acessíveis para se curtir a vida (seja lá o que você considere “curtir”) antes de parecer que você já está “velho(a) demais” e “precisa constituir família”. São pensamentos que não dão fim às angústias, mas que servem para dizer: oi, você não está sozinho(a). Naturalmente, isso não responde coisa alguma. A questão talvez seja que, tal qual no Guia do Mochileiro das Galáxias de Douglas Adams, nós nunca descobriremos exatamente qual era a pergunta.

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Sobre o tema, você talvez goste de ler A Festa é Minha e Eu Choro Se Eu Quiser, de Maria Clara Drummond. O livro é o relato de um jovem que vive os dilemas e as pressões (com freqüência auto-infligidas) da turma de classe média com 20 e pouco anos. Vi no livro tanta gente com quem já cruzei por aí!..

Porém, a melhor frase que já li sobre amadurecimento está num ensaio sobre o maniqueísmo. Trata-se do livro O Visconde Partido Ao Meio, de Ítalo Calvino, que tive a sorte de ler no primeiro período do meu curso de graduação. Nele se lê: “Às vezes a gente se imagina incompleto e é apenas jovem”. Não que a incompletude se esvaia em algum momento da vida, mas aposto como vai ficando mais fácil lidar com ela.

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