terça-feira, 26 de agosto de 2014

Lojas de Museus

{Eu e um Miró no Museu Reina Sofía, em Madri}

Eu sou viciada em livros. E embora o meu vício seja socialmente aceito (e até aplaudido em alguns círculos), isso não o torna menos problemático. Sim, parece bonito dizer que se é adicta há algo que difunde e simboliza cultura, mas a inquietação que isso provoca se assemelha com os demais vícios nem tão louváveis.


Livro para mim, para além do uso prático, é um fetiche. Ter uma coleção incompleta na minha estante me causa taquicardia. Sempre que olho meus dois tomos da antologia de Shakespeare publicados pela Agir e lembro que ao lado de “Comédias” e “Dramas Históricos” falta o compêndio das “Tragédias”, penso em assaltar uma biblioteca. Sou capaz de acordar de madrugada com uma frase na cabeça e ir procurar o livro em que sei que ela está. Quase como se estivesse checando se um duende não a roubou de lá para meu desespero. Parece tudo muito engraçado, mas às vezes essa graça divide espaço com certa inquietação e eu bem que queria ser mais desapegada em relação a eles. Isso faz, por exemplo, com que eu tenha grande dificuldade em emprestá-los ou mesmo em pegá-los emprestado. Por isso, se você é um(a) dos(as) poucos(as) por quem já violei minhas próprias regras e já pegou um livro meu emprestado, saiba que o/a tenho nas mais alta conta.

Porém, verdade seja dita: não é meu único vício. Para além do fato de ter muitos traços de workaholic (e não, não acho isso uma qualidade), talvez o meu grande vício depois dos livros (e de comida boa – que é o maior deles) são lojinhas de museu. Eu perco totalmente a noção do ridículo nesse tipo de loja. Por sorte, sou muito consciente com as minhas finanças, senão já estaria endividada há muito tempo.

Entretanto, esse controle nos gastos não evita, por exemplo, que eu compre coisas como uma cópia da Constituição e da Carta de Independência norte-americanas em papel vegetal. Quando vejo uma coisa como essa me pego pensando “vai que um dia eu preciso justamente de uma réplica da Constituição americana em papel vegetal?”. E lá se vão oito dólares e algum espaço na mala. Também me perco nas lojas de museus nacionais, mas a situação é muito pior no exterior, pois sempre fico com a idéia de que não poderei voltar a elas para comprar se sentir falta de um objeto. E, assim, entram mais um mapa de Malta, um coletor de restos de borrachas, um baralho com todas as dinastias inglesas e dois dreidels na bagagem. 

Para além dos objetos de design, ramo no qual a loja do MoMA em Nova York é imbatível, a perdição mesmo são os livros infantis. Já comprei uma coleção de livros com canções de ninar em hebraico, iídiche, línguas sub-saarianas, árabe etc no Museu do Prado em Madri; um livrinho debatendo filosoficamente a noção de beleza para crianças no Museu Rodin em Paris; uma coleção explicando antigas civilizações para pequenos de até seis anos no British Museum em Londres; e um livro defendendo para crianças americanas que Santos Dumont inventou o avião no Museu Aeroespacial em Washington DC. Isso para citar apenas alguns. Me apego à idéia de que, se um dia tiver um bebê, ele vai poder consultar essa ampla biblioteca mirim. Tá bom que para isso ele ou ela teria que falar, antes mesmo de aprender a andar, uns quatro ou cinco idiomas. No fundo, sei que isso só faria sentido se eu fosse procriar com toda a Torre de Babel. Mas vício é vício.

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Falando em Rio de Janeiro, dois museus possuem lojas que valem a visita por si só. 

Uma delas é a Daros, que fica na Casa Daros, e para minha sorte (ou azar) fica a cinco minutos a pé da minha casa. O próprio design da loja é lindo e a curadoria é muito bem pensada. Como ela é toda de vidro e é possível ver seu movimento do restaurante do museu (“Mira!”, também ótimo), é impossível não fazer uma visita depois de uma refeição ou de uma visita às exposições temporárias. A idéia deste post começou inclusive porque não resisti a comprar, depois do almoço do último sábado, um livro infantil escrito e ilustrado por uma artista naïf indiana.

Outra loja incrível é a Novo Desenho, que possui dois endereços: um no MAM (Museu de Arte Moderna) e outro no MAR (Museu de Arte do Rio). Por acaso a loja é de um amigo meu da época de colégio e é uma pena que talvez eu não a tivesse conhecido não fosse essa proximidade: ela fica um pouco escondida no enorme prédio do museu e infelizmente nem todos os funcionários do MAM sabem indicar bem sua localização. Não conheço a filial do MAR, mas a loja do MAM tem um acervo detalhadamente escolhido, que não tem como não agradar qualquer um que goste de arte, design ou etnografia. E, afinal, se você não gostasse desses temas, por que estaria num museu? 

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  1. Ajuda saber que eu trato cada fetiche como se fosse relíquia milenar ? Não tem como sair da sua casa sem um livro, é muita tentação! Obrigada por cada sacrifício momentâneo. Sandra

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    1. Tenho certeza disso, Sandra! Por isso você está nesse grupo tão seleto.

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