quarta-feira, 4 de março de 2015

Por todo chá da China

{Salão de chá da loja Mariage Frère localizada na rua Bourg Tibourg, em Paris}

Adoro chá. É sem dúvida a bebida que consumo em maior quantidade diariamente. Por isso, em toda viagem procuro alguma novidade. Se você é do mesmo time, posso garantir por experiência própria: há muita coisa interessante para se conhecer sobre chá por aí. 

Um pequeno histórico. Diz a História – e o bom senso – que num mundo sem saneamento básico, a fervura da água era fundamental para seu consumo. Como o processo não retirava sabores indesejados de uma água de origem duvidosa, acrescentar algum tipo de erva aromática era uma forma de camuflar gostos desagradáveis. Porém, ao contrário do que diz o senso comum, nem toda infusão é chá. Só pode ser chamado de chá a bebida feita da erva camellia sinensis. Dependendo da oxidação da folha, ela da origem ao chá verde, chá preto ou oolong. Todo o restante deve ser chamado de infusão. É na forma de chá preto que eu mais aprecio o resultado da fervura da erva. Na verdade, fervura mais ou menos. O correto, para que a bebida não fique demasiadamente amarga, é retirar a água do fogo pouco antes de começar a ferver. Supostamente cada variação específica da erva deveria ficar na água quente por um tempo específico, mas aí já é exigência demais para a minha cabeça. Por sinal, se você estiver atrás de um passo a passo de como fazer o chá perfeito, e já que George Orwell é figurinha carimbada aqui no blog, ele tem um texto chamado “A Nice Cup of Tea” (algo como “uma boa xícara de chá”), em que ele descreve onze passos fundamentais para aproveitar a bebida ao máximo. Discordo de muitos passos, mas quem sou eu para contestar um inglês no que diz respeito a sua bebida nacional?

Isso, por sinal, é uma coisa interessante. O consumo de chá é algo tão arraigado na cultura inglesa (o consumo se disseminou no Reino Unido com a anexação de territórios da Ásia ao Império Britânico) que existem algumas expressões bastante inglesas que fazem referência à bebida. A primeira delas, nós já conhecemos pela tradução: nem por todo chá da China (“not for all the tea in China”). Tendo em vista que até hoje a China é um dos maiores produtores da erva, sendo responsável por cerca de 25% de toda a produção mundial, você tem que estar realmente muito convencido de que algo não vale a pena para declinar a oferta do provérbio. Outra frase tipicamente inglesa, e que me apetece muito, é “it is my cup of tea” (isso é minha xícara de chá). Gosto muito da frase. Como prova de que cultura e idioma se co-constituem, o equivalente brasileiro é dizer “isso é a minha praia”. Como praia não é “a minha praia” e chá é “minha xícara de chá”, fico com a versão inglesa.

O chá é tão presente no dia a dia da vida na Inglaterra, que se torna quase inevitável ao imigrante. Não sei como o fenômeno se estabelece, mas sou testemunha ocular da sua manifestação. Na última viagem que fiz, me hospedei na casa de amigos brasileiros que estão morando em Londres e em Glasgow (Escócia). O engraçado é que, embora nunca os tenha visto tomando chá no Brasil, era extremamente comum vê-los preparar chá assim que chegavam em casa quando chegávamos de um jantar. Deve haver algo na água da Grã-Bretanha que influencia as pessoas a acrescentar chá a ela. 

Se você é do time, aí estão algumas das minhas dicas ao redor do mundo para os apreciadores da bebida:

Argentina
A loja Tealosophy foi criada pela argentina Inés Berton, considerada uma das representantes da dezena de pessoas capazes de identificar a origem da erva do chá apenas pelo seu aroma. A primeira foi aberta em Buenos Aires, na galeria do Hotel Alvear há cerca de 10 anos e era tão pequenininha que chegava a dar nervoso de entrar. As opções de chá eram grandes apesar do tamanho do espaço e parece que agora há outras filiais. Na loja também eram vendido o livro escrito pela dona, Tiempo de Té.

França
São inúmeras as casas de chá na França, mas se o objetivo é não apenas sentar para degustar a bebida, mas sim comprar a erva para preparar em casa, a Mariage Frère é o primeiro lugar que se deve levar em conta. Há várias lojas espalhadas por Paris, pela França e, hoje em dia, até pelo mundo (infelizmente, só na Europa e no Japão). Os chás são deliciosos e vale passar um tempo pedindo para sentir o aroma das diferentes ervas guardadas em imensas latas negras. Em alguns dos pontos de venda, é possível também sentar por uns instantes e escolher um dos chás da lista para beber. Eles também têm livros interessantes sobre o tema, publicados em mais de um idioma. 

Inglaterra
Parece piada, mas nunca fui a nenhuma loja de chás na Inglaterra. Entretanto, nessa última viagem queria tomar um chá da tarde em algum salão de chá típico. Como não consegui fazer reserva nem para o chá do Hotel Ritz, nem para o do Hotel Claridges, acabei optando meio no escuro outro hotel que parecia ser renomado no quesito chá, o Brown’s Hotel. Supostamente, era lá onde a Rainha Victoria ir tomar chá pelo que pude apurar na internet. Pois bem, passada a experiência, digo sem medo de errar que na próxima vez que for a Londres, nem tentarei o Ritz e o Claridges. O chá no Brown’s Hotel foi tão perfeito (além disso, não estava nada cheio e todos em volta pareciam ser locais) que valeu cada centavo das quase 50 libras por pessoa. Se você está procurando um lugar elegante para tomar um chá da tarde e que não seja freqüentado majoritariamente por turistas, esse é o lugar.

Mais uma vez sobre livros do tema, comprei numa livraria londrina o Tea Classified. Pelo pouco que folheei, parece bastante completo para entender melhor sobre a história e as classificações da bebida. 

Estados Unidos
Minha única experiência com chá aconteceu na verdade em um pedacinho da China em São Francisco, na Red Blossom Tea Company, em Chinatown. A loja é uma graça, os vendedores são super atenciosos e ainda oferecem algumas degustações para os clientes. Acabamos comprando três chás diferentes, um deles inclusive colhido em 1973 (não, o gosto não é tão diferente, pelo menos para uma leiga como eu). De toda forma, tudo lá é muito gostoso e o ambiente é extremamente aconchegante.

Sri Lanka
Não, infelizmente ainda não visitei o antigo Ceilão, mas nem por isso ignoro que os chás de lá merecem a fama que tem. Anos atrás me deparei com a marca Dilmah de chás do Sri Lanka e gamei nela. Além de especialmente bom, a marca parece ser bastante responsável socialmente com seus funcionários e com as comunidades em que o plantio e o empacotamento é feito. Outra vantagem, a meu ver, é que mesmo o chá preto em sachê deles é muito bom, o que na correria diária ajuda a poupar tempo no preparo. O melhor de tudo é que não é difícil encontrá-lo. Nas minhas andanças, já achei esse chá em supermercados do Chile, da Austrália e em lojas de importação no Brasil (por preços razoáveis como R$ 12 a caixa com 20 saquinhos). Para o dia-a-dia, é meu chá preto favorito.

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(sobre a vida, o universo e tudo mais):

  1. Ano passado fiquei sabendo do lançamento da máquina de chá da Nestlé. Parece que também querem "encapsular o ritual" do chá com a Special.T. Veja o link: http://fr.special-t.com/spt_fr_fr/tea-machines.html A máquina cumpre a tal exigência de tempo e temperatura de cada erva. O que acha? Sabe dizer se está sendo bem aceita na Europa? Beijos!

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    1. Raquel, já ouvi falar da máquina. Acho que quando li sobre ela falava inclusive que foi idéia de uma brasileira. Confesso que nunca a vi pessoalmente, nem na Europa. O que eu tenho observado é um movimento geral contrário, de voltar a fazer as coisas na sua forma original. Já fi, por exemplo, em alguns restaurantes mais gourmets do Rio, oferecerem no cardápio café coado como uma opção melhor do que o expresso. Acho que no caso do chá há uma variação tão grande de ervas (e tantos aparelhos que facilitam a fervura da água) que acho que a máquina só funciona para necessidades muito específicas, como escritórios, salas de espera etc.

      Sobre a preocupação com o tempo de infusão de cada erva, como disse, sou meio relaxada com isso. Já vi em Paris o chá ser servido com uma ampulheta apropriada para o tempo da erva escolhida, uma coisa cronometrada mesmo. No Reino Unido, inclusive no chá super elegante do Brown's Hotel, vi uma coisa mais simples para diminuir a intensidade do chá depois de ficar muito tempo em infusão. Junto com o bule de chá, que vem com a erva, é trazido um bule menor com água quente. Assim, você pode ir diluindo o chá ao longo da refeição, já que ele vai ficando mais forte com o tempo. Achei uma boa idéia.
      Beijos

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